Primeiras palavras...
Quem me mostrou o mundo das letras foi minha mãe. Morávamos numa chácara que meu pai comprou e se desdobrava para cuidar. Eu estava prestes a completar sete anos e ouvi meus pais conversarem e decidiram que eu não iria para a escola no ano seguinte, somente no outro ano, quando já estivesse com oito anos e iria junto com minha irmã que estaria com sete. Eu não sabia direito o que era escola, mas já tinha ouvido meus pais comentarem sobre as dificuldades que enfrentaram para estudar, sobre a escola rural que era muito longe de casa e que muitas crianças da redondeza iam estudar na cidade (no Gama), onde o ensino era melhor. Minha curiosidade em ir para este lugar que chamavam de escola crescia a cada dia. Meu pai disse que durante este ano iria juntar dinheiro para comprar uma casa na cidade e assim não precisaria pagar aluguel. Falou comigo cheio de cuidados, não reclamei, mas decidi que definitivamente iria para a escola, mesmo que demorasse. Bem, como eu não iria para a escola, adorei a idéia de continuar passando o dia inteirinho brincando com minhas irmãs e irmãos. Era uma delícia, inventávamos brincadeiras, fazíamos nossos próprios brinquedos.
Alguns dias depois da conversa com meu pai, minha mãe me chamou logo depois do café da manhã e disse que, já que eu não iria para a escola, ela iria me ensinar a ler e a escrever para eu não ficar muito atrasada. E assim começou a me ensinar o b-a-bá, como se dizia. Pegou um caderno e foi escrevendo as famílias silábicas na primeira linha, lia uma vez e pedia para eu repetir, depois eu tinha que copiar até a última linha da folha do caderno. No começo tive dificuldades, mas depois fui, pouco a pouco, conseguindo cumprir a tarefa do dia e então podia ir brincar. Lá pelo terceiro dia, deixou de ser novidade e tudo o que eu queria era ir brincar. Sentada à mesa da sala e de frente para a janela, eu observava meus irmãos brincando e me distraía, só voltava à lição depois que minha mãe ralhava. Não lembro exatamente o momento, mas foi neste dia, ali... sentada em um banco e debruçada sobre uma mesa de madeira roliça que parei de olhar e desejar o mundo que via pela janela e entrei no mundo das letras ... quis aprender todas o mais rápido possível e procurava “ler” as embalagens de produtos alimentícios e de limpeza, a bula de remédios, os jornais velhos e revistas que meu pai guardava. Entrei definitivamente para este mundo abstrato, virtual, e de lá, nunca mais saí.
Não lia livros até a quinta série, só as atividades e livros da escola. A partir de então é que comecei a ler sem a obrigação que a escola colocava. Precisei fazer uma pesquisa sobre várias modalidades esportivas para não ser reprovada (mas isto lá é outra história). Procurei a biblioteca da escola, lugar misterioso para mim e que eu só passava em frente na hora do recreio. Ao procurar livros sobre o assunto da pesquisa, descobri o mundo encantado da biblioteca. Virei o que chamavam de “rato de biblioteca”. E assim cheguei ao segundo grau, o horário do intervalo era para mim o melhor do dia. Corria para a biblioteca para ver as manchetes dos jornais e até dava pra ler alguma coisa, rapidinho. Entregava e pegava livros, cheguei a ler três livros ao mesmo tempo, coisa que eu achava ser impossível, pensava que iria misturar os assuntos. Nesta época os professores de português exigiam as famosas “fichas literárias”, para a maioria dos meus colegas era um pesadelo, para mim era puro deleite. Fui sendo apresentada aos autores mais conhecidos da nossa literatura e foi então que conheci Machado de Assis, foi paixão à primeira leitura, com ele aprendi a dialogar com os personagens e com o próprio autor, imaginava os cenários que ele descrevia e comparava com a vida que ele, Machado, levava. Esta paixão me acompanha pela vida afora...
Minha vida deu uma guinada, quis ser freira, meus pais tiveram um colapso. Por cinco anos fiquei estudando e lendo a Bíblia e outros livros correlatos, li sobre outras religiões e seitas, fui morar em São Paulo e lá conheci meu marido, músico que gostava muito de ler. Não podia ser diferente, mesmo enfrentando dificuldades com a nova realidade familiar, sempre nos apoiamos nos estudos e foi assim que prossegui. Fiz o magistério e fui dar aulas, que era um desejo adormecido. Depois fui para a faculdade de letras. Confesso que não lia por deleite durante a faculdade, lia o que era pedido pelos professores. No trabalho eu lia mais, tornei-me contadora de histórias para as crianças e isto me fascina até hoje. Não foi fácil terminar a faculdade trabalhando quarenta horas e com três filhos pequenos, o menor nasceu no meio do primeiro curso. Quando terminei a segunda faculdade estava exausta e não queria ver livro na minha frente. Tornei-me uma cinéfila. Não durou muito. Hoje tento me dividir entre livros e filmes. Só o que lamento é não ter mais tempo e disponibilidade para ler tudo o que já listei, o pior é que, com este curso do CFORM a minha lista aumentou muito, mas não sou de desistir fácil, ainda chego lá...
Um comentário:
Mágico, esta é a palavra que define o seu texto, o seu belo memorial. Emocioante, esta é outra palavra que me vem à mente agora. Vencedora, esta é outra palavra que pode definir você, professora Josselita...
Continue o seu caminho de leituras.
Um forte abraço!
Prof. Dioney
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